13 de março de 2013

Off-topic: Paula Glenadel: texto crítico para o livro "Teu pai com uma pistola", de Thiago Mattos

Como parte do material de divulgação do livro "Teu pai com uma pistola" (lançado em SP em 2012 e a ser lançado no Rio em março de 2013), transcrevemos o texto crítico de Paula Glenadel - presente no livro.





É notável a frequência com que Thiago Mattos usa a palavra “coração” neste livro. Mas que não se espere com isso uma poesia sentimental ou sensível em sentido tradicional. Aqui, pulsando escandido ao ritmo de poemas decimais, que marcam “pausas no fluxo de poemas”, em intervalos capazes de jogar o leitor em uma estranha temporalidade de instantes oscilantes, entre o extremamente curto e o infinitamente longo, o coração pensa e traduz. O coração, “degolado” e “arregalado”, escancara-se e torna-se um comparante para tudo ou quase tudo aquilo de que se pode falar: olhos, cabeça, céu, pedra, mundo, sexo, luz, sombra.
Alguma futura pesquisa de sociologia dos autores talvez registre Thiago como poeta que fez estudos de literatura francesa na Universidade. Contudo, é preciso apontar que essa formação não aparece jamais no livro como projeto de poder, ou ornamento destinado a deslumbrar o leitor. Ao contrário, sente-se nele um raro despojamento, que revela o que de melhor a prática profunda da leitura pode produzir: um pensar nu, uma liberdade quanto ao saber, que já é pensamento.
Por esse viés, há algo que lembra Georges Bataille nessa poesia de figurantes que, de tão simples, aparecem como arcaicos. Ela reescreve em vermelho, sua cor favorita, vital e mortífera, algo como uma experiência interior, consagrando e consumindo a vida que assoma na série surpreendentemente coesa dos fragmentos de que o livro é composto. O seu questionamento radical permite interpretar o fluxo de poemas como a poesia em geral, e o poema como pausa ou corte desse fluxo genérico – portanto, como lugar de vida e morte da própria poesia. Nada mais poético.

Paula Glenadel, outubro de 2012

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